CACOFONIAS


Não posso falar com minha voz, senão com minhas vozes, A. Pizarnik, não, não posso escrever de outra maneira. Se não sangra, minha escrita não existe. T. Levy Em arte não se trata de reproduzir ou inventar formas, mas de capturar forças, G. Deleuze, trata-se por um lado de unificar esses fragmentos heterogêneos pela sua subjetivação no exercício da escrita pessoal. M. Foucault Com efeito, só podemos buscar a unidade de ritmo onde o ritmo mergulha no próprio caos, na noite, e onde as diferenças de nível são sempre misturadas com violência, G. Deleuze, como verás, trata-se de uma construção aberrante. A sua lógica é do delírio. O seu movimento é da rebelião. A sua forma é do fragmento. O seu culto é do mal. O seu lugar é marginal. A sua posição é divergente. O seu mergulho é no horror. S. Corazza Trata-se de pequenas máquinas de produção de mundos que se constroem no campo do impessoal, L.A. Costa, os elementos não param de se deslocar em relação a si mesmos. G. Deleuze E como mudar as minhas concepções da realidade sem mudar as minhas concepções de sujeito? A. Daka Escrevi um poema, falo das coisas em oposição ao absoluto, A. Pizarnik, pois há um germe de fascismo que media nossas relações. K. Borges A escrita é a arte de levantar questões e não de responder a elas ou de resolvê-las, R. Barthes, esta prática de golpes, que desarticula o discurso para deixar a descoberto a trama textual, e ao mesmo tempo, anular o lugar estável, seguro, de um sentido pleno de uma verdade, de uma origem ou de um télos, esta prática que joga... J. Derrida, operando no meio, por dentro, no entre... M. Foucault, uma fragmentação que pode evitar o jogo de representação, um recurso de tornar as partes independentes para lhes dar uma nova amarração, um jogo com a fecundidade da pilhagem... a violência de uma imagem pura, dessubjetivada, que declara sua potência em queda, em dissipação. A. Henz O desejo é fluxo germinal. G. Deleuze, F. Guattari Para transitarmos de corpos em corpos, atravessando subterrâneos e superfícies, precisamos de antiderrapantes? A. Daka Quem versifica, não verifica: A. Pizarnik nossa sina, assassina. A. Daka Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou lidando com a matéria-prima, C. Lispector, criação pressupõe uma confusão originária, mas caos não é o inverso da ordem. Criação é potência em ato, P. Zordan, busca na sua herança os recursos necessários para a desconstrução dessa mesma herança. Problema de economia e de estratégia. J. Derrida Uma obra deve mudar toda noite! S. Corazza Uma obra deve mudar toda noite, é necessário que a obra mude! A. Artaud Só pela arte podemos sair de nós mesmos: G. Deleuze, perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo o realizável mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente, C. Lispector, o quão irrisório é querer contestar nossa sociedade sem jamais pensar nos próprios limites da língua pela qual (relação instrumental) pretendemos contestá-la: é querer destruir o lobo alojando-se confortavelmente na sua guela? R. Barthes Cada espectador é um intriguista logo que tenta explicar uma palavra (conhecer!). T. Tzara Para os homens o desafio da linguagem, para a mulher o desafio de "ser" mulher? A. Daka Rasgos de mulheres... encher os olhos de quê? ..de corpos de mulheres, em todos os seus estados. G. Didi-Huberman Te sei. Em vida/provei teu gosto./Perda, partidas/memória, pó/Com a boca viva provei/Teu gosto, teu sumo grosso./Em vida, morte, te sei. H. Hilst Quero expressar meu ser tão completamente quanto possível, pois de algum canto tirei a ideia de que posso justificar meu estar viva desse modo. Mas para expressar o que sou preciso ter um padrão de vida, um ponto de partida, uma técnica – para realizar a organização arbitrária e temporária do meu mísero ser e patético caos pessoal. S. Plath Ela (se) escreve... elas creem na superficialidade da existência como a própria essência, e toda virtude e profundidade, para elas, é apenas encobrimento... J. Derrida Tenho um inventário de imagens e começo a mesclá-las e se uma personagem se forma, tem a oportunidade de voltar a viver. E ter outra vida, à parte da versão original. K. Smith É sobre a pele numa superfície. M. Dumas Eu sou; eu falo àquele que eu fui e aquele que eu fui me fala. Não estamos sozinhos na pele. H. Michaux Que monstro tenho criado! Me projeto a mim mesma nessa situação e sou capaz de escrever um poema. A. Sexton O que é uma essência na arte? ...a diferença última e absoluta ...a diversidade que em vão procurara na vida ...a violência do pensamento que nos força a pensar ...o que nos força a pensar é o signo ...a criação é a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. G. Deleuze A ficção é a forma como nós nos desenhamos... impregnadas pela energia da noite. Golpes são eclip-as-sagens. A. Daka Vão se lixar, nós não somos castradas. G. Deleuze, F. Guattari Não é idêntico, não é oposição. J. Derrida O pessoal também é político. Quem? Toda noite faço a noite. Toda a noite escrevo. Palavra por palavra eu escrevo a noite. A. Pizarnik A mulher é tão artística. F. Nietszche Desenho o devir-mulher do desenho, e... A. Daka Fracassa nas provas do senso-comum. É falso do começo ao fim. G. Deleuze Processo mulher... questão de estilo na escritura. J. Derrida O viver incerto de uma mulher incerta... renuncio à coerência para ir mais longe. Emigrante de sí. A. Pizarnik Só a expressão nos dá o procedimento. Na literatura menor tudo é político. G. Deleuze, F. Guattari O pesquisador que opera pela poética provoca a si e ao objeto em seu encontro, para a produção de outros olhares que reinventem a sua relação até o absurdo... M. Foucault, pensar o fechamento da representação é pensar o trágico: não como representação do destino, mas como destino da representação. A sua necessidade gratuita e sem fundo... a linguagem carrega em si a necessidade de sua própria crítica. J. Derrida Todo infrator é criador. F. Nietszche Oh, vida/ Oh, linguagem/ Oh Isidoro. A. Pizarnik Se penso em "singularidade", como posso generalizar "a mulher"? A. Daka O insuportável é que não há nada insuportável, A. Rimbaud, para poder morrer/ Guardo insultos e agulhas/ Entre as sedas do luto. H. Hilst Apalpamos sonhos e luzes que não nos pertencem, como as unhas... A. Daka As afeccções e as percepções pessoais não produzem arte. Assim como as opiniões não inventam conceitos, as sensações pessoais só criam um plano de decomposição artístico quando se perdem num fundo mais vasto, muito maior que a vida do artista que as encarna, P. Zordan, tudo é ordinário e regular. Tudo é cotidiano. G. Deleuze A subjetividade é produzida por agenciamentos de enunciação. Os processos de subjetivação, de semiotização – ou seja, toda a produção de sentido, de evidência semiótica – não são centrados em agentes individuais (no funcionamento de instâncias intrapsíquicas, egóicas, microssociais), nem em agentes grupais. Esses processos são duplamente descentrados... extrapessoal, extra-individual, infrahumana, infrapsíquica, infrapessoal... F. Guattari Um modo de vida sempre envolve uma forma, e toda forma circunscreve um saber. A subjetivação produz formas, embora seja um processo sem forma, P. Zordan, eis o terror da inconsistência: a experiência como impossibilidade e transgressão. Ou melhor, destroçar a linguagem e fazê-la seguir por uma linha revolucionária nômade arrancando de sua própria expressão um outro sentido, talvez um não sentido, um nonsense. A falta de sentido pode conter sentidos infinitos, J. Mello, uma prolongada imensa e sistemática desordem dos sentidos. A. Rimbaud Minha rebelião é tão enraizada que é como respirar. Para mim, é impossível imaginar um espírito humano privado de rebelião; seria como um corpo sem sangue. Em mim, esse espírito de rebelião toca o niilismo sem se deixar cair na armadilha de total abdicação. D. Tanning Um espelho está partido, mas o que refletem os pedaços? I. Bergman Agora me quebro em pedaços que voam como clavas./ Um vento assim violento/ Não tolera testemunhas: preciso gritar./ Sou habitada por um grito./ Toda noite ele voa/ À procura, com suas garras, de algo para amar. S. Plath O paradoxo é, em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas, em seguida, o que destrói o senso comum como designação de identidades fixas... G. Deleuze Para não ser prensado como em um torniquete de normas de ambos os lados, do começo – respiro - ao fim, injeto nesta poética algumas doses de palavras-outras, de palavras-caco. Neste corpografia, lugar de linguagem polissêmica, em que nada cresce, mas tampouco decresce, e logo, se vai para ambos os lados ao mesmo tempo. A. Daka O ensaio é a própria negação da dicotomia (experiência sensível x cognitiva), porque nele as paixões invocam o saber, as emoções arquitetam o pensamento e o estilo burila o conceito. A. Machado Na velha tensão entre pensamento e estética, joga-se com a falta de previsibilidade... A. Daka, radical em seu não-radicalismo, ao abster-se de qualquer redução a um princípio e ao acentuar, em seu caráter fragmentário, o parcial diante do total. T Adorno Porque tu sabes que é de poesia minha vida secreta. H. Hilst O que mais me apavora, penso, é a morte da imaginação. S. Plath Faço barulho com a pena... por que essa falta de concentração? Se você me ama por que não se concentra? A. Cesar Que fazer? Na metade da grande desordem continuo achando que sou um cata-vento, no final de tantas voltas precisa indicar um norte, um sul. J. Cortázar Há que se deixar levar pelo vento, na direção que ele queira, e as coisas cobram sentido depois. K. Smith E os ecos! Ecos escapam... S. Plath Uma porta se abre, uma porta se fecha. Entre os dois momentos você tem um golpe de olhar: um jardim, uma pessoa, uma tempestade, uma libélula, um coração, uma cidade... o poeta se torna um especialista em fazer as malas, S. Plath, a experiência de uma desconstrução nunca acontece sem amor... desconstrução não é anulação, mas dívida e homenagem. J. Derrida A arte é uma onda que vai e volta, alma antiga, sem limites! C. Vitoria E o que é absurdo na vida absurda? A. Veteranyl Tentei tornar as sombras tão presentes quanto a figura, F. Bacon, ela é a forma sensível referida à sensação; ela age imediatamente sobre o sistema nervoso... G. Deleuze, trata-se de uma estratégia; não é uma brincadeira ou uma paródia, é um desafio por simulação. Não há nada por detrás, a estranheza e o exagero extenuaram o sentido ao absurdo, até o desaparecimento, porque não é mais cópia e modelo, mas a circulação de simulacros, como se nada os antecedesse, sua precessão. J. Caiafa A minha parte é descer por uma escadaria abandonada e procurar alguma coisa na podridão e na saudade/ minha parte é um passeio nostálgico no jardim das memórias/ e entregar o espírito na dor de uma voz que me diz/ "tuas mãos, eu as amo". F. Farrokhzad Revela-se aí um desejo de intimidade com o universo que lança o excesso a seu ponto de fuga... escrevo para apagar meu nome. G. Battaille É preciso compor com a tragicidade, é preciso uma espécie de vibração contínua e diferenciada. E que venham os acidentes para que possamos escapar de nossas próprias imagens, A. Daka e dissipar as sombras interiores. M. Foucault Insisto na maldade de escrever/ mas não sei se a deusa sobe à superfície/ ou apenas me castiga com seus uivos... A. Cesar mas improvisar é ir ao encontro do Mundo, ou confundir-se com ele. G. Deleuze, F. Guattari Só textos bizarros são comestíveis. S. Corazza Ironia é simulação. Ironia é sedução. J. Mello Qualquer ato é um tiro de revólver cerebral. T. Tzara Aquele que dança em sua própria casa atrai incêndios. L. Mutarelli O que está sendo criado tem vida, dá a pensar, tem existência, aumenta e exagera o pensamento a partir de sua face atual? S. Corazza O atual é aquilo que vamos nos tornando. G. Deleuze Novas regras me inspiram novos jogos, A. Daka acabo de perceber que o que está em jogo sou eu/ não tenho outra moeda de resgate, nada para/ quebrar ou trocar, a não ser a minha vida/ meu espírito parcelado, em fragmentos, espalhados sobre/ a mesa de roulette, eu recupero o que posso/ só isso para enfiar embaixo do nariz do maitre de jeu. D. Prima O meu modo de existência se dá nesta dispersão de mundos que constrói suas relações sensivelmente... é você quem vai dizer que estou errada e que preciso selecionar, reduzir, agarrar, aprisionar? Preciso provar que tenho consciência do que estou fazendo e que por isso não me perco, não me falho? Fora dos vacilos dessas imagens, de mim e de ti, não sei onde poderíamos nos encontrar... A. Daka, fora de uma mar de possibilidades/ ninguém pode habitar o mundo. D. Prima Sou inospitamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver. C. Lispector E onde estão as minhas palavras-outras para eu dar conta de todo meu desejo? A. Daka Tu eleges o lugar da ferida/ onde falamos nosso silêncio/ Tu fazes de minha vida/ esta cerimônia demasiado pura, A. Pizarnik, e eu aprisionada a este sortilégio/ Não posso mais partir. E. Brönte

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