Má Educação das Mulheres


MÁ EDUCAÇÃO DAS MULHERES

I
- a linda menina de cabelos escuros (que era você) 
voando pelo céu noturno na caixa de costura 
da mãe feita de um céu de estrelas 
* aprender a falsidade e o significado obsceno 
nas palavras que um dia amou, como "fada". 
Sylvia Plath, diários 

Aprender o significado de A + B (ábitos e barbaridades). Aprender cada friso das frias inscrições lunares, única testemunha, instável como você. Aprender a manejar a potência do falso em toda tradição. E principalmente, quando não há muitas vantagens, é lógico. Gira a chave (do lado de fora) e deixa que cada falha, erro e má forma reinventem uma nova maneira - provisória - de viver. Mas na noite, cuidado, as mulheres não podem: arriscam-se as andarilhas, as noturnas, as sensuais, as sepulcrais... um veneno, óh, não se parecem com as mães e irmãs que trabalharam muito dentro de casas, ignoradas! Essas aí planejam mortes... literatura, talvez. Não generalize. Ah, h, há tantos estigmas que perco as contas, minha escritura fica com preguiça. Isso é escrever mal, meu amor, mas só sei fazer assim, que outra mentira você quer? Viajar no tempo, eu posso. Também sou neblina, névoa... dizem, tudo isso se dissolve, é uma coisa boa de se fazer. Então é, né? Quando leio minha escritura no óbvio, estanco. A luz elétrica é uma convardia, tire do meu rosto a lâmpada quente da tortura. E não fique surpres@ de ver que quem segura a lâmpada, iluminada, muitas vezes é uma mulher. Subjetividade disfarçada de objetividade. Indispensável fazer também o contrário: escrita como arma, combate espiritual > num poema eu consigo uma vida mais intensa(S.Plath). Feche os olhos, rodopie, você não sabe gozar? Aprender: a estar sozinha, sem a dependência de algo que sustente seu peso, as reclamações cacofônicas de séculos! Mas, produzir arte é um privilégio, quais são as condições necessárias? (V. Woolf) Nada mudou, tudo mudou? Quantos golpes! Sou uma mulher do século XIX, disfarçada de séc. XX - escreveu Ana C. Ela nem desconfiava da reprise no séc. XXI. Aprender: a saltitar nos sujeitos.

E quantos palitinhos você tem na mão? Oh, que pena, nem tantos! Alta erudição, porém marginal. Estética da existência. É para poucas? Quanta pretensão a nossa, de achar que detemos as virtudes e originalidades do pensamento só porque sabemos ler-escrever. Aprender: as mulheres são as rainhas das mentiras, é perigoso deixar qualquer instrumento gráfico perto delas. Pele frágil, mas tão brutal. Àquelas em que o silêncio ensina, guardam a tranquilidade do mundo nos seus trapézios, enrolam-se feito caracol, espumam... como é bonito o brilho que sai delas, joguemos mais sal. Aprender: a não generalizar. Estar na singularidade é tão difícil. A violência do mundo nos faz pensar, você colocou as palavras na minha boca. A pesquisa é como a palavra, mas a imagem não passa de sonho? O sonho vale como pesquisa, como mil palavras? Imagens se reproduzem... fenômeno generoso. Um sonho resolveu o que eu queria, me trocou de perspectiva. Pode? A imaginação também é autobiográfica - disse Aglaj Veteranyl. Quando escapamos de nós mesm@s? Não, aprenda a contentar-se com o que o mundo oferece para você: RE-A-LI-DA-DE, repita. Uma mulher que usava crinolina sonhava tanto que voou para o mar com a força do vento e nunca mais voltou - contou D. Kern. E depois, ela reencarnou numa outra que perdeu a língua olhando o que tinha dentro da máquina de lavar - disse P. Zordan. É necessário aprender a manusear bem os eletrodomésticos - disse meu avô. Com uma mão você segura o livro com a outra faz a máquina funcionar... tem jeito? Só não dá pra inventar de mascar chiclete. Mas com as tempestades e ventanias, nós ainda não aprendemos a lidar - alertou minha avó (são tantas as vozes) e muitas delas saem dos objetos. Há uma histeria em todo objeto pessoal feminino, parcelamento de espíritos, day by day. Oh, você é tão insuportável! Aprender: o medo do esquecimento é a pior das quedas. Esqueça as avós. Essas já deram o que tinham que dar. Escreva sobre meninas, do potencial das meninas na EDUCAÇÃO. Das mutantes? Que bom que não podemos prever NADA! A vida não para na sua ideia de vida. Aprender: a infância contando as possibilidades futuras nos dedos, ou desenhando bonecas de palitinhos na parede com cuspe, que depois somem, sem rastro, nem castigo. É permitido sonhar. Desenhar desde o berço, aprender que as mãos sabem. 

Caligrafia ruim, desenho ruim. Mas se há um ruim, pressupõe-se um bom? A maldade está em quem lê. O mundo é tão vasto, a escrita tão infinita, eu poderia ficar o dia todo gerando filhos deformados em papel. E eu posso não querer filhos. Não, não, não é negar o conhecimento, é negá-lo como ideologia. Falando nisso, agora existe um aplicativo no celular especialmente para as meninas, ele controla o ciclo menstrual e avisa os períodos de risco. Isso é uma novidade. Aprender: a manipular botões. Eu não estou ouvindo, lá lá lá lá... Você está debochando? O que fazemos com a oportunidade que nos dão, o um por cento? A culpa é PARA as mulheres. Aprenda, se você não segurar a noz como vai quebrá-la? A linguagem é muito complexa. Posso me esquecer do fogão sujo, de não levar o lixo seco por semanas, de fazer uma coleção de aranhas no teto, de não me pentear se eu não precisar sair para os outros. E se eu posso, todas as mulheres podem? Há uma mancha em sua saia. Ah, mas quanto tempo para escrever e pesquisar! Isso é outra maneira de pensar, de salvar o mundo das escovas. As mulheres estão sempre salvando algo, mas isso não entra na pesquisa. O que eu quero dizer com salvar? Como eu quero dizer salvar? Se digo salvar, não penso direito sobre salvar? Subjetivo o salvar. "A obsessão do desenvolvimento do cérebro faz definhar o útero" disseram os médicos ingleses do séc. XX. As mulheres tem sempre que escolher, cérebro ou útero? E precisam de tempo extra para tudo. Estudar por exemplo. E quem compra livros, comida, paga aluguel, limpa a casa? A cabeça longe, vendida. Deixo de ver quando começo a traçar, isso é inscrição na memória. Mas deve-se ser sempre pontual, ainda tem muita literatura transbordando. O corpo fora dela existe? São muitas as perguntas. Aprender: a não fazer tantas perguntas. De luz apagada é mais fácil, as mãos tomam o lugar da cabeça e ninguém percebe, só a noite. Toda infratora é uma mentirosa, principalmente as menininhas cuspideiras, ciganas. No caso delas a MAGA é sempre PATOLÓGICA. Quem tem a carta da História consigo, detém a Verdade, justificada. O resto é fabulação, FADA, fada triste de uma iraniana qualquer, poetiza de segunda. Aprender: a fazer um inventário, um ensaio, um relatório, qualquer coisa mais confiável que um poema. (Ou um desenho).

Mas sobre o quê, as mulheres? Assim tudo vai por água abaixo, escorre pelas pernas, sinal de fraqueza. Conflito de forças. O pessoal é mesmo político? Quem pergunta assim veio ao mundo à passeio. Necessidades, receitas, não há como esquecer as avós. As avós que não passaram do primeiro grau e escreveram em papel de pão. O que não ajudou a educar os 10 filhos e marido que viriam depois para enfiá-las numa concha natural, sagrada. Tire as mulheres da escola, é mais útil - disseram os pais. Agora penso em Kiki Smith e seus cabelos brancos, ela que desenhou mulheres em papel de pão... mas o que aconteceu pra ela PODER fazer isso? Ah, a minha avó era uma dadaísta na Zurique do pós-guerra, eu não quero essa avó dos 10 filhos, inexpressiva, de lugar nenhum, preciso de outra vó, urgente. Não tem querer. Aprender: a falsidade e a obscenidade da palavra FADA. A prepotência da linguagem. A letra da minha avó está cravada em mim como na lua, eu escrevo torto como ela, e toda noite, no escuro, fazendo a noite (A. Pizarnik). E porque aprendi a ler-escrever tenho a grande chance de fazer verdadeiras homenagens à minha vó de mentira e comunicar isso, e de pensar em parecer com Kiki Smith quando aprender a ter cabelos brancos. Não, você não sabe escrever, você acumula demais, isso é sinal de falta. - disse Aquele. Sempre falta algo nas mulheres, mas pelo menos elas são esforçadas. Não, não é falta, é desejo. Aprender: menos esforço e mais força. - orientou-me P. Zordan.

II
Duas coisas me impediram. 
Uma foi nosso código, nossa eterna e 
cansativa regra de autocontrole. 
A outra foi minha total e inexprimível fascinação... 
Diane di Prima, Memórias de uma Beatnik

O que impede você? A linguagem nunca esteve dada para ser acessada pelas mulheres. Embora o pensamento sempre em movimento: vuuuuuuuffffffft... a sensação não é menos cérebro que o conceito. -disse ele. Mas quando ele foi embora, as musas habitaram a casa...

Ela. Sozinha. Mal-educada. Inadequada. Pequena. Interrompida. Que musas? Há uma entrada no mundo que é estar com, em relação íntima com as coisas: precisamos de um tempo para aprender a dedicação, e não ficar apenas saltitando em lugares opostos, sempre em busca de si. Sustento o campo de problematização do aprender, a invenção é uma forma de aprender o aprender. Quando a força das imagens são tão fortes e duras, como as imagens de nós mesm@s, mal temos chance de desviar delas. Nos sentimos menores. Uma ficção bem boa para produzir uma fuga? E tentar viver a pele da realidade com sensibilidade-outra, em suas íntimas variações de posições. Um recurso. E você precisa de muita matéria-prima... mas, onde encontrar? O que nos impede de criar? Os clichês? Ela queimou seu sutiã em praça pública e fotografou-se com o punho em riste para se ver na cena; ela escreveu calhamaços; ela assumiu família, todas as crianças, e espantou a fome com uma faca de cozinha que depois pendurou na saia bordada; Ela construiu uma Casa do Sol para poder escrever, ser toda poema, velha louca, dizem; Ela lê no metrô, esticando o tempo o máximo que consegue, sob a pressão de um torniquete no cérebro; Ela resolveu fazer uma cortina de cds velhos porque os achou tão brilhantes, perfeitos pra refratar a luz da manhã que entra pela única janela em micropontos; Ela experimentou o mundo pela primeira vez quando aos 60 anos observou como a gota respingada de seu sangue se expandia na água da pia... o dedo como um riso. Uma dobra de página, quem para dizer que não? Assim meninas saem cedo de casa para deixarem de serem meninas e aprender outra coisa, cansadas das imagens de si. E paradoxalmente, lutar como uma menina. Impulso intuitivo. Aprender o impessoal, a viagem, o devir, a arte... Desenhar um rumo. Eu "quero escrever como quem aprende" escreveu C. Lispector aprendendo, quando nada pode ser pior do que "ficar dentro do quarto, longe da vida, enquanto um monte de coisas acontece lá fora", porque nós "corremos o risco, mais do que temos vergonha de estarmos vivas" aprendeu V. Despentes. A rua. Uma afronta às investidas de educação da mulher enquanto uma, enquanto comportamento, fala, figura ideal de imaginação. Quando criamos definhamos a tolice, não é questão de "chegar lá".

Aline Daka, julho de 2017. Texto que faz parte do projeto de dissertação de mestrado em educação "SUB: cacografias do desejo".



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